04/11/2012

Como se pensar uma Bienal do Livro no Ceará



O escritor Raymundo Netto descreve como foi germinado o projeto de programação da atual Bienal e chama a atenção para a importância de conferir visibilidade e buscar incluir a Padaria Espiritual na historiografia literária brasileira

IGOR DE MELO

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Quando saí da Coordenadoria de Políticas do Livro e da Leitura da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), no início de 2012, deixei pronto, como última solicitação de meu coordenador, o projeto da X Bienal Internacional do Livro do Ceará, cuja temática giraria em torno dos 120 anos da Padaria Espiritual. Esse foi o projeto apresentado pela Secult à Lei Federal de Incentivo à Cultura, ou Rouanet. Na época, decidimos, ao invés de focar na Semana de Arte Moderna, festejada em diversos rincões brasileiros em seus 90 anos, conferir visibilidade ao que é nosso, só nosso, no caso, a Padaria. O tema que criei era Literatura: o pão de espírito para o mundo. Depois, sob nova direção, alteraram: Padaria Espiritual: o pão de espírito para o mundo, o que penso foi o mais acertado. Particularmente, gostei. 
O objetivo do projeto seria: “Realizar a 10ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, com acesso gratuito e democrático, promovendo socialmente a Literatura, o Livro e a Leitura e as suas respectivas cadeias criativa, produtiva e mediadora da leitura, democratizando o acesso à fruição e aos bens culturais, além de reconhecer o livro como instrumento imprescindível de desenvolvimento socioeconômico, de valorização da identidade cultural do Estado e de promoção e inclusão social”. Dentre as efemérides, selecionei diversas: 170 anos de Franklin Távora, 150 anos de Francisca Clotilde (para esta, em especial, pensava num espaço denominado A Estrella, dedicado à exposição da literatura feminina cearense), 130 anos de José Albano (seguramente, um dos nossos maiores poetas), 120 anos de Otacílio de Azevedo (pai do homenageado Sânzio de Azevedo, uma indicação nossa, acatada rapidamente pelo secretário Francisco Pinheiro, tamanho o reconhecimento pelo seu incansável trabalho de vida), 100 anos de Abelardo Montenegro e 90 anos de Durval Aires.
Sugeri também que o Centro de Eventos fosse tematizado com a Belle Èpoque cearense. As “ruas” e “avenidas” receberiam os nomes e pseudônimos dos “padeiros”. Pelo Centro de Eventos, combustores, réplicas de estátuas gregas, imagens dos padeiros e do Álbum de Vistas de Fortaleza, de 1908, além de trechos do O Pão, das colunas Bolachinhas, Malacachetas e Saco de Ostras e a exposição, por meio de banners, das imagens das atas da Padaria Espiritual e de seu Programa de Instalação. Os auditórios e salas receberiam - e fico feliz que isso tenha permanecido - a denominação de pseudônimos de alguns dos principais padeiros, como Moacir Jurema (Antônio Sales), Felix Guanabarino (Adolfo Caminha), Lucas Bizarro (Lívio Barreto), Policarpo Estouro (Álvaro Martins), etc. A Arena Multicultural (deveria ser grafitada, pensava), destinada a acolher, em especial, o público jovem e quadrinhistas, receberia o nome de Luís Sá, o único pintor e desenhista entre os padeiros, o “plenipotenciário da palheta e do pincel”, também avô do Luís Sá, o mais famoso cartunista cearense); o espaço destinado ao cordel receberia o nome de Cariri Braúna (José Carvalho, padeiro responsável em organizar “um Cancioneiro Popular, genuinamente cearense”). O espaço do Café Literário, obviamente seria denominado de Café Java, nome do quiosque da Praça do Ferreira, onde foi idealizado grêmio. O local destinado a lançamentos seria O Forno e, durante a programação, diversas seriam as Fornadas, divulgadas previamente na programação distribuída.
Montar-se-ia no local do evento, “um espaço destinado à memória da Padaria Espiritual, montada com acervo emprestado do setor Museu do Ceará e do Instituto do Ceará, onde peças dos padeiros, livros, roupas, artigos pessoais etc, integrariam o espaço museal”. Sugeri para tal, a restauração do glorioso estandarte da Padaria Espiritual, acervo do Museu do Ceará, inclusive, com inauguração e direito à bandinha tocando o misterioso hino. E, pelo centenário de Luiz Gonzaga, parceiro do nosso Humberto Teixeira, seria realizada uma programação especial, inclusive com “fornadas” (lançamentos) de livros e biografias.
Enfim, pensar uma Bienal é difícil. Executá-la satisfatoriamente é muito mais. Mas é preciso ter convicção, acreditar no que se faz, ter um propósito e paixão (esta, de preferência, enlouquecida). Aprendi muito quando criei a temática e elaborei a programação da edição anterior. Hoje, penso que esta Bienal deve gritar, falar muito alto, fazer cumprir o desejo de Antônio Sales, nos tempos de criação da Padaria: “... uma coisa nova, original e mesmo um tanto escandalosa, que sacudisse o nosso meio e tivesse uma repercussão lá fora”. Sim, já passou do tempo de nós cearenses conseguirmos incluir a Padaria Espiritual na historiografia literária brasileira, mas, ao invés disso, em nossa própria “casa”, afirmamos não conseguir sequer formar e/ou estabelecer em nossas universidades, profissionais capazes de ministrar aulas de Literatura Cearense. Será isso mesmo? Passados 120 anos, por quanto tempo ainda teremos que esperar para falar da Padaria Espiritual do Brasil? Vamos à Bienal do Livro do Ceará: “Amor e Trabalho” para todos!

RAYMUNDO NETTO é escritor, membro do Conselho Curador da 9ª Bienal Internacional do Livro do Ceará. Escreve quinzenalmente no O POVO, sempre às quartas-feiras neste caderno
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