24/03/2013

PÉROLAS DE DOM HELDER - 104 ANOS



A libertação de todos os Totalitarismos não virá através de Totalitarismo. A libertação dos oprimidos e injustiçados virá dos pequenos, dos fracos, dos pobres.

Não me cansarei de repetir: dentro de todos os países, de todas as raças, de todas as religiões, de todos os grupos humanos, há minorias decididas a promover liberdade e justiça não só para grupos privilegiados de indivíduos e grupos privilegiados de países, mas para todos, para todos!...
Quem fez surgir essas minorias, em toda a parte, no norte e no sul, no oeste e no leste? Algum homem? Alguma instituição? Só o Espírito de Deus pode operar esta maravilha!
E o Deus de Amor, sem sombra de ódio; o Deus dos humildes, com recursos pobres, com instrumentos pobres, suscitará a união das minorias que, nos países pobres e nos países ricos, tem fome de justiça, como condição de paz.
O Deus dos fracos, dos pequenos, dos pobres realizará o prodígio de a força ceder ante a fraqueza. A Humanidade cansou de guerras, cansou de racismos, cansou de ódio, cansou de excesso de progresso que torna irrespirável...

A Humanidade está compreendendo e compreenderá sempre mais, que liberdade e justiça só existirão de verdade, quando existirem para todos.
Palestra realizada por Dom Helder Câmara – 16 de maio de 1976 – Na Universidade de Notre Dame – Indiana USA – ao lhe ser conferido o doutorado honoris causa, em Direito.
“Quando, em 20 de abril de 1952,  aquele frágil sacerdote nordestino foi nomeado bispo escolheu como lema do seu ministério episcopal “IN MANUS TUAS”. Provavelmente intuía, mas não sabia que era ao mesmo tempo uma profecia e um programa de vida.  As três palavras latinas queriam significar sua entrega confiante nas mãos de Deus, seu único Senhor.

Essa entrega levou-o longe pelos caminhos de um serviço criativo e profético ao povo de Deus, pelo qual pagou seu preço, mas que desempenhou alegre até o fim.
No dia 7 de fevereiro serão cento e quatro anos do nascimento de Dom Helder Câmara, cearense de Fortaleza e décimo primeiro filho de família simples, numerosa e bem constituída. Desde pequeno, brincava de padre, armando altares e oficiando missas em casa. Ao comunicar a seu pai, afastado da Igreja, seu desejo de abraçar a vocação sacerdotal, o jovem Helder ouviu palavras que nunca esqueceu: “Meu filho, você sabe o que é ser padre? Padre e egoísmo nunca podem andar juntos. O padre tem que se gastar, se deixar devorar”.
A vida no seminário e os estudos do jovem Helder foram marcados pela firmeza vocacional e o brilho intelectual.  Ordenado aos 22 anos, antes da idade mínima requerida para tal e com licença especial da Santa Sé, Pe. Helder reuniu desde o principio qualidades raras em uma mesma pessoa: inteligência, cultura e liderança incontestáveis ao lado de um imenso amor e dedicação integral aos mais pobres.

Ao mesmo tempo em que organizava reuniões com lavadeiras e operárias e assessorava a Juventude Operária Brasileira (JOC), escrevia artigos em revistas, planejava a catequese a nível estadual e assumia cargos públicos na secretaria de educação do Ceará.  A habilidade política  foi uma constante em sua vida, assim como a naturalidade que desde sempre teve frente aos meios de comunicação, sendo uma das primeiras personalidades eclesiásticas brasileiras a aparecer constantemente na televisão.

A sagração episcopal multiplicou à enésima potência a personalidade fulgurante do nordestino magro e franzino, vestido com uma  eterna batina bege.  Sua criatividade e  capacidade de trabalho inventavam e implantavam sem cessar novas coisas  na Igreja do Brasil.  Deve-se a Dom Helder quase todas as iniciativas pioneiras em termos eclesiais que o país conheceu durante o século XX, entre elas a criação da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, da qual foi fundador e secretário geral.

Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro onde era bispo auxiliar, fundava a igreja dos Santos Anjos, inicialmente como uma pequena capela, e realizando um dos seus sonhos,  criava a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional situado no coração do Leblon, bairro mais chique da cidade.  Também se deve a sua iniciativa o Banco da Providencia, órgão que existe até os dias de hoje e que atende os pobres da diocese do Rio de Janeiro a vários níveis.
No plano internacional, Dom Helder não teve mãos a medir diante dos múltiplos convites que recebia e atendia.  Enchia auditórios e praças em Paris, Sidney, Londres, levando até o abastado primeiro mundo a quase sempre ignorada realidade sofrida e oprimida dos pobres brasileiros. Sua presença fez o país e a Igreja conhecidos e respeitados em outras latitudes.
A partir de 1964 o governo militar criou um rígido sistema de censura nos meios de comunicação brasileiros.  Pretendia assim calar as vozes daqueles que defendiam os direitos humanos e denunciavam a barbárie perpetrada pelas torturas nos porões da ditadura.  Dom Helder foi confinado a um penoso ostracismo. Sobre ele não se falava ou noticiava. Seu acesso à mídia fechou-se. Ele, perplexo com as acusações de comunista que lhe faziam, cunhou uma frase que ficou famosa: "Quando ajudo os pobres dizem que sou santo. Quando pergunto sobre as causas da pobreza, me chamam de comunista".
Homem universal, parece não existir um só campo de atividade que Dom Helder não tenha tocado, vivido, atuado.  Recebeu inúmeras homenagens e títulos pelo mundo afora:  de cidadão honorário, de “doutor honoris causa”.  Poeta e místico ardente, desde seu pequeno quarto no Recife levantava-se durante a madrugada para renovar seu lema de bispo: “In manus tuas”.  A entrega incondicional a Deus e a seu povo expressava-se em belos poemas e livros que receberam traduções em vários idiomas. Escreveu sobre a paz, a cidade e o desafio da pastoral urbana, sobre a justiça, sobre a Igreja que nascia das chamadas minoras abraamicas.  Organizou espetáculos no Maracanã sobre os sete pecados capitais, a paixão de Cristo.  Gravou discos onde declamava poemas em honra de Nossa Senhora- Mariama, na Missa dos Quilombos composta por Milton Nascimento e Dom Pedro Casaldaliga.

Nas incursões na calada da noite, olhando o céu do Recife coalhado de estrelas, sua alma se expandia em louvor e adoração.  Ali estava seu segredo.  Ali estava a força da marca indelével que deixou por onde passou. In manus tuas.  Nas mãos de seu Senhor, a alma do bispo descansava e cobrava forças para um novo amanhecer. Hoje, celebrando cento e quatro anos de seu nascimento, o Brasil agradece e invoca sua proteção para estes tempos tão diferentes e igualmente complexos.
Maria Clara Lucchetti - Teóloga e professora da PUC – Rio
VENCIDO COM ALEGRIA
Quando a primeira vez me ensinaram
a erguer os olhos pra o céu
e dizer teu nome,
já me contemplavas de toda a eternidade
e escolheras de todo o sempre um nome para mim.
Quando o dia irrompe
e meus olhos se enchem de luz,
balbucio o teu nome,
mas não consigo chegar primeiro
te encontro em vigília
envolvendo-me
com teu largo e bom olhar de Pai.
Quando ao sono
tua lembrança me visita
mesmo aí me antecedes,
pois de nenhum pensamento,
ou imagem,
ou palavras
sou capaz
sem que inspires no princípio,
assistas no meio
e conduzas ao termo.
Rio, 02/01/1955






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