26/05/2013

Ordem religiosa do Papa tem peças históricas espalhadas pelo Rio

Igrejas do Rio receberam peças do acervo histórico do Colégio dos Jesuítas.
'A existência da cidade está ligada a existência dos jesuítas', diz historiador.

Cristina BoeckelDo G1 Rio

Altar em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, exposto na Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso, no Centro. (Foto: Cristina Boeckel/ G1)Altar exposto na Igreja de Nossa Senhora do
Bonsucesso, no Centro (Foto: Cristina Boeckel/ G1)
Quando o Papa Francisco pisar em solo carioca, durante a Jornada Mundial da Juventude, que vai acontecer entre os dias 23 e 28 de julho, ele estará em território familiar. A ordem a qual o pontífice pertence, os jesuítas, tem papel fundamental na história do Brasil e do Rio de Janeiro.
Um dos principais marcos da presença dos padres na capital fluminense foi o Colégio dos Jesuítas que existia no Morro do Castelo, no Centro, demolido entre os anos de 1920 e 1922.
Após os portugueses derrotarem os franceses, os colonizadores consideraram que a cidade deveria estar erguida em um ponto elevado, de onde pudessem ver possíveis invasores chegando pela Baía de Guanabara. Assim, começou a acontecer, em 1567, a transferência do Rio de Janeiro dos pés do Morro Cara de Cão para o local que era então conhecido como Morro de São Januário ou Morro do Descanso. O nome Morro do Castelo surgiu por conta do colégio dos padres jesuítas que ali foi instalado.
O historiador José Antônio Nonato, coautor do livro “Era uma vez o Morro do Castelo”, exlplica a origem do nome.
“Era uma construção imponente, com muros de pedra muito grandes e que, quando os navios passavam pela Baía de Guanabara e avistavam de longe, parecia que era um castelo. Daí o nome.”
O também historiador César Tovar, professor da PUC-Rio e coautor do livro “Memória da Arte Franciscana no Rio de Janeiro” destaca a importância do local para a defesa da cidade. “Era do sino da igreja que se anunciavam os possíveis perigos. E a própria visibilidade daquela fortaleza dava um conforto, uma segurança para a população da cidade. É interessante observar como a maneira como foi construída a cidade entre quatro morros, funcionando como guaritas de uma grande fortaleza. Mas nas pontas, a mais importante era a do Morro do Castelo, que até o começo do século XX temos fotos e pinturas mostrando como aquilo se destacava visualmente.”
  •  
Altar com imagens de Santo Inácio, São Francisco Xavier e São Borja que pertenceu à igreja fundada no século XVI pelos jesuítas no Morro do Castelo. O altar está atualmente na Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso.  (Foto: Cristina Boeckel/ G1)Altar pertenceu à igreja fundada no século XVI 
(Foto: Cristina Boeckel/ G1)
O Colégio de Jesus, que recebeu este nome por causa do nome da ordem, Companhia de Jesus, superava em tamanho os prédios da administração portuguesa.
Segundo João Masao Kamita, professor da PUC-Rio e coordenador do programa de pós-graduação em História Social da Cultura e do curso de especialização em História da Arte e Arquitetura, o Colégio dos Jesuítas era a maior construção da cidade.
"Tinha a igreja, a parte do colégio que era a residência dos padres, em caráter fechado, e toda uma área onde eles ensinavam os filhos dos leigos. E o colégio também tinha uma espécie de grande unidade com uma farmácia, onde eram atendidas as pessoas. De fato, era imenso e, nos panoramas antigos, você vê como aquilo era a construção mais imponente da cidade; tanto pela localização elevada, como pelo porte. A igreja em si não era tão grande, tinha um desenho mais simples. Não tinha muita ornamentação, como as igrejas barrocas do século XVIII, que passaram a ter muita ornamentação na fachada. Essa era muito limpa, muito simples. Por isso tinha um projeto de reconstrução desta igreja, muito maior, mas essa não foi construída.”
A construção da nova igreja foi interrompida porque, em 1759, o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas do território brasileiro. “Eles foram expulsos sob a acusação de que eles estavam cuidando mais do comércio e da política do que evangelização”, afirma o historiador Milton Teixeira.
Púlpito que teria sido usado por Pe. José de Anchieta (Foto: Cristina Boeckel/ G1)Púlpito que teria sido usado por Pe. José de Anchieta
(Foto: Cristina Boeckel/ G1)
Lendas sobre tesouros 
Os religiosos foram embora, mas as lendas envolvendo o seu nome continuaram a povoar o imaginário do Rio de Janeiro. Muitos acreditavam que, por serem tão poderosos, os jesuítas escondiam um grande tesouro. Há registros sobre a lenda em obras de Lima Barreto e Machado de Assis.
“Esta lenda alimentou o imaginário do Rio de Janeiro até a demolição. De uma maneira tão forte que, para se ter uma ideia, houve várias tentativas de demolição do Morro do Castelo no século XIX. Em todas elas, quando se fazia o contrato de demolição, as firmas diziam: 'Tá, vamos demolir mas, se acharmos o tesouro, ele é nosso.' Acreditava-se tanto que o tesouro existia que ele era cláusula de negociação” completa Nonato. Quando o Morro do Castelo foi demolido, nada foi encontrado.
No entanto, mesmo sem tesouro, as peças que faziam parte do Colégio de Jesus são de imenso valor histórico. Entre o que restou, destaca-se um conjunto de esculturas barrocas, com Jesus Cristo crucificado, Nossa Senhora das Dores e São João Evangelista, que estão no hall de entrada do Colégio Santo Inácio, em Botafogo, na Zona Sul da cidade. As esculturas fariam parte da igreja que ficou inacabada quando os jesuítas foram expulsos do país.
Na Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso, no Centro, estão o púlpito da primeira igreja construída pelos jesuítas no Morro do Castelo, onde o Padre José de Anchieta teria realizado pregações, e três altares: dois em honra de Nossa Senhora da Conceição, e um em homenagem a Santo Inácio, São Francisco Xavier e São Borja. Estes altares têm influência maneirista, uma arte anterior ao período barroco. Possuem um estilo considerado único entre as igrejas coloniais do Rio de Janeiro.
Após a restauração da Companhia de Jesus, no século XIX, os jesuítas só voltaram a marcar presença no Rio de Janeiro no final do século. Segundo Tovar, que atualmente escreve um livro sobre o centenário da Igreja Santo Inácio, os jesuítas passaram por várias residências provisórias até que se estabeleceram no Flamengo, em um sobrado na Rua Senador vergueiro, onde criaram uma pequena escola com aulas de catecismo e música.
"Em 1903, os jesuítas se transferem para Rua São Clemente, em Botafogo, pois já é um bairro que tinha melhorias por causa da elite que havia se estabelecido ali ao longo do século XIX, era um bairro que estava recebendo vários grupos sociais diferentes. Os padres se estabelecem em uma chácara, primeiro eles pagam aluguel, depois eles compram um terreno e dão início ao Colégio Santo Inácio e a Igreja.”, expllica o historiador Tovar.
Ensino
Milton Teixeira destaca a importância da presença dos jesuítas no Rio de Janeiro: “Fora os bens materiais, eles tiveram uma função evangelizadora e civilizadora imensa, que não pode ser avaliada pura e simplesmente em números. Eles converteram milhares de índios e fizeram uma coisa que, na época, ninguém fazia: protegê-los da escravidão do português.”
Nonato também lembra a importância da educação dada pelos jesuítas em todo o país: “Havia uma rede de colégios na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo, que supriam essa falta de investimento na educação por parte dos portugeses. Por isso, quando os jesuítas foram embora, foi uma tragédia.”
Tovar resume tudo em uma frase: “A existência da cidade está ligada a existência dos jesuítas.”
Imagens retratando a crucificação de Cristo expostas no hall do Colégio Santo Inácio, em Botafogo. Elas fariam parte da igreja que os jesuítas planejavam construir no século XVIII, no Morro do Castelo  (Foto: Cristina Boeckel/ G1)Imagens expostas no hall do Colégio Santo Inácio, em Botafogo. Elas fariam parte da igreja que os jesuítas planejavam construir no século XVIII, no Morro do Castelo (Foto: Cristina Boeckel/ G1)

Nenhum comentário :

Postar um comentário